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15/12/2008 - Ação policial irregular absolve contadoras

“É preferível anular provas de um processo judicial a anular a Constituição Federal. A ação policial deve estar sempre submetida ao império da Carta Política do País”. A frase é do juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal. Ele absolveu, em sentença, duas mulheres (C.M.S. - empregada e F.B.L. - proprietária), que trabalhavam num escritório de contabilidade na região Central de São Paulo, pelos crimes de moeda falsa e falsificação de documento público.

A ação penal contra as mulheres fora movida pelo Ministério Público Federal (MPF). Ambas foram presas em flagrante pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, após denúncia anônima de falsificação de documentos e moedas falsas. O policial V.M.S. negociou com as mulheres a compra de um contrato social de uma empresa em nome de um “laranja”, bem como documentos originais de identidade e cadastro de pessoa física em nome dessa pessoa, passando-se por ‘cliente’. Ao ir retirá-lo e pagar o valor combinado (R$1.500,00), entrou no escritório e deu voz de prisão às acusadas. Ato contínuo, o policial deu início a uma busca no escritório, tendo apreendido objetos que ali se encontravam.

“Nota-se que as acusadas teriam sido levadas, em tese, ao cometimento do crime (falsificação de documento público) por manobra de agente provocador (policial civil)”, diz o juiz. Além disso, não houve mandado de busca e apreensão expedido para fins de diligência no escritório.

“Para o policial, a ré encontrava-se em flagrante delito e, por isso, efetuou a apreensão dos objetos de interesse para a caracterização do ilícito que estavam no referido escritório. Ele não encontrou notas falsas em poder da proprietária e agiu à revelia da Autoridade Policial à qual estava subordinado”, diz Ali Mazloum.

Após a Justiça Estadual ter declinado da competência por reconhecer que o presente feito versava sobre matéria da alçada federal, a denúncia foi recebida pela 7ª Vara Federal Criminal em 27.06.2003. Já na fase de alegações finais, o MPF requereu a absolvição de C.M.S. pelo crime de moeda falsa e a condenação de F.B.L. pelo delito de falsificação de documento público.

Para Ali Mazloum, a simples descrição dos fatos supostamente delituosos “leva à certeza de que a atuação policial padece de vício insanável, devendo-se reconhecer o chamado flagrante preparado ou provocado, pelo qual o agente é induzido ou instigado a praticar determinado delito, cuja consumação, entretanto, jamais poderia ocorrer sem a imprescindível atuação do agente provocador (no caso, o agente policial). (...) É de se concluir, portanto, pela ocorrência de crime impossível”. Para o juiz, as acusadas apenas protagonizaram um enredo produzido por policiais.  “As acusadas devem ser absolvidas”.

O juiz ressaltou que, sob o pretexto de ser um “cliente”, o policial ingressou no escritório e passou a vasculhar o local. “A entrada e permanência no escritório, dessa forma, configuram invasão de domicílio. As provas assim obtidas devem ser declaradas ilícitas. (...) A situação aqui tratada afronta a Constituição Federal. A apreensão das moedas falsas e demais objetos no escritório da acusada decorreu de patente violação de domicílio, sendo por isso ilícita a prova”.

Para o juiz, trata-se de uma questão atual. “Floresce a idéia de que os direitos fundamentais previstos na Constituição têm fomentado a impunidade e o aumento da criminalidade. A questão, porém, vai muito além da simples escolha de dois pólos dicotômicos: Bem contra o Mal ou Crime versus Impunidade. O ápice da discórdia está no antagonismo de valores: Estado Policial de um lado, Estado Constitucional de outro”. Ali Mazloum determinou o arquivamento dos autos.

Autos nº: 2003.61.81.002820-9 - Decisão na íntegra

Publicado em 29/01/2018 às 18h47 e atualizado em 25/11/2024 às 14h37