O juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo, determinou o envio de ofício ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão constitucional de controle do MPF, para que adote medidas legais contra métodos de investigação secretos adotados pelo Ministério Público Federal de São Paulo.
A determinação ocorreu após o juiz analisar um pedido de arquivamento em uma investigação criminal iniciada pelo MPF em novembro de 2003, e mantida em “segredo” (sem o conhecimento da Justiça) até abril de 2009. Segundo a decisão, tratou-se de uma “investigação secreta” iniciada com base numa carta anônima, na qual denunciava um departamento de Polícia Federal – DELESP – que estaria envolvido num “esquema de corrupção”, incluindo um delegado, um despachante e uma empresa de segurança privada.
O procedimento investigatório do MPF teria ficado “parado” por quase quatro anos (até 2007) em poder de um membro da instituição. A decisão relata que, em seguida, outro representante do MPF requisitou “diretamente à Receita Federal” a quebra de sigilo fiscal, dos últimos cinco anos, das pessoas física e jurídica investigadas. De posse das declarações de renda, o procurador acrescentou não ter identificado irregularidades. “Por falta de justa causa”, foi promovido o arquivamento do procedimento, em novembro de 2008, no próprio âmbito do MPF.
Entretanto, segundo a decisão, a cúpula do MPF recusou-se a arquivar o procedimento sob o argumento da “gravidade” dos fatos e da existência de “elementos bastantes” para manutenção das investigações baseadas na aludida carta anônima. Foi então que, em abril de 2009, um terceiro membro do MPF resolveu “judiciar” o procedimento com vistas a obter de algum juiz federal a quebra de sigilo bancário dos investigados e, assim, abrir “outra linha de investigação”.
“Mesmo reconhecida a regularidade fiscal dos investigados, partiu-se para a quebra do sigilo bancário, situação que à evidência confunde-se com ato de devassa da vida alheia. E, somente em razão da necessidade do concurso do Judiciário para a obtenção de dados bancários, o procedimento deixou sua carapaça, perdeu seu secretismo, aportando nesta 7ª Vara Federal Criminal após livre distribuição”, afirma Ali Mazloum. Após ter o pedido de quebra do sigilo bancário negado pelo juiz, o MPF desistiu da pretensão e solicitou o arquivamento do feito por ausência de indícios de materialidade do delito.
Ao fundamentar sua decisão, Mazloum afirma, ainda, que o anonimato é vedado pela Constituição Federal, não sendo elemento idôneo para amparar medidas invasivas da intimidade do cidadão. “Há quem defenda, com acerto, que o anonimato pode dar azo a pesquisas preliminares, mas nunca ensejar a deflagração de medidas constritivas, drásticas, submetidas à reserva de jurisdição, tais como prisões, buscas domiciliares, interceptação telefônica, quebra de sigilo etc”.
Para o juiz, o ordenamento jurídico não autoriza o MPF a realizar investigações secretas nem a agir ex officio em ambiente submetido a reserva de jurisdição com base em carta anônima, e acrescentou que nem mesmo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) toma conhecimento de denúncias anônimas contra membros do Ministério Público.
“A questão é muito grave, especialmente diante do quadro atual de fragilização do Poder Legislativo, em que o MPF precipita-se a investigar os chamados ‘atos secretos’ do Senado Federal, quando em suas próprias hostes vigoram métodos inconstitucionais de investigações secretas”, diz a decisão.
Por fim, Mazloum determinou que o CNMP tome conhecimento dos fatos para adoção das medidas legais que entender cabíveis, “especialmente eventuais inspeções e correições em sistemas internos de registro de arquivamento de expedientes pelas instâncias do MPF desta capital paulista, de modo a coibirem eventuais práticas e métodos de investigações secretas”.
Na sequência, com base nos motivos apresentados, deferiu o pedido de arquivamento da referida investigação iniciada em 2003, e determinou a intimação dos investigados para tomarem ciência da decisão e do procedimento investigatório ao qual estiveram submetidos durante quase seis anos sem conhecimento. (RAN)
Procedimento nº 2009.61.81.004404-7