O delegado Protógenes Pinheiro de Queiroz e o escrivão da Polícia Federal Amadeu Ranieri Bellomusto foram condenados, no dia 9/11 (ontem), pela prática dos crimes de violação de sigilo funcional e fraude processual, referentes às investigações da chamada “Operação Satiagraha”. A sentença é do juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
Protógenes recebeu uma pena privativa de liberdade de três anos e 11 meses, a ser cumprida em regime prisional aberto, que foi substituída pelas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade e proibição de exercício de mandato eletivo, cargo, função ou atividade pública.
Amadeu foi condenado à pena privativa de liberdade de dois anos de detenção, em regime inicial aberto, que foi substituída pelas restritivas de direitos de prestação de serviços à comunidade e interdição temporária de direitos de proibição de exercício de profissão e atividades relacionadas com segurança e espionagem.
De acordo com a denúncia elaborada pelo Ministério Público Federal (MPF), referente ao primeiro fato delituoso (violação de sigilo), o delegado de Polícia Federal Protógenes teria presidido e coordenado a investigação policial nomeada “Operação Satiagraha” (2007.61.81.010208-7 e 2007.61.81.011419-3), que tramitou na 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
Nesse contexto, o delegado teria revelado a dois jornalistas da Rede Globo de Televisão dados sobre uma reunião que ocorreria no dia 19/6/08, no restaurante El Tranvia, nesta Capital, entre os ali investigados Humberto Braz e Hugo Chicaroni, com o também delegado Victor Hugo, onde aqueles supostamente tratariam de oferecimento de vantagens indevidas (corrupção ativa) a funcionário público, em detrimento da investigação.
Amadeu, escrivão de Polícia Federal, integrante da equipe de Protógenes, por orientação deste, recepcionou referidos jornalistas e participou da mencionada violação de sigilo funcional, facilitando filmagens daquela reunião. O produto obtido com a gravação foi depois utilizado como prova em processo penal por crime de corrupção (autos 2008.61.81.010136-1), instaurado contra aludidos investigados e Daniel Dantas, alvo principal da “Operação Satiagraha”, cuja tramitação também se deu perante aquele Juízo Federal da 6ª Vara Federal Criminal.
Quanto ao segundo fato delituoso (fraude), a acusação apontou que a fita da filmagem promovida pelos indicados jornalistas durante a Ação Controlada da operação foi entregue a Amadeu, que a editou por orientação de Protógenes para depurá-la de resquícios que pudessem revelar a sua origem espúria e, assim, induzir a erro aquele Juízo Federal. Após a inovação artificiosa pelos acusados, o produto final da filmagem foi entregue a Protógenes, que por sua vez o encaminhou como prova ao Juízo da 6ª Vara.
Por fim, de acordo com a denúncia, o acusado Protógenes, em razão de seu cargo e da condição de coordenador da “Operação Satiagraha”, revelou a dois jornalistas a data de 8/7/2008, em que seria deflagrada a operação policial, propiciando a jornalistas e cinegrafistas que se posicionassem com antecedência, na madrugada daquele dia, em locais onde seriam realizadas buscas e prisões, especialmente de pessoas públicas como a do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e a do empresário Naji Nahas, para a realização de filmagens e matérias noticiosas. “Alguém em sã consciência acreditaria que a imprensa estava ali postada por mero acaso? Pois foi isso mesmo que os acusados sugeriram a este Juízo, sem receio do ridículo” – questionou o juiz.
De acordo com Ali Mazloum “diversos episódios realçaram a singularidade do caso aqui tratado, podendo-se mencionar as inéditas buscas e apreensões em órgão de inteligência do Estado (ABIN), ou aquelas efetuadas em endereços de conhecidos ‘arapongas’ de Brasília. O destaque, porém, ficou por conta do inusitado conteúdo do material encontrado e arrecadado no curso da investigação e reações que se seguiram. Não representa apenas uma investigação de crimes comuns previstos no Código Penal brasileiro. Representa, precipuamente, a apuração de um método, próprio de polícia secreta, empreendido sob a égide da Constituição Federal, mas à margem das mais comezinhas regras do Estado Democrático de Direito”.
Em sua decisão, o juiz destacou que “práticas de monitoramento clandestino, mais apropriadas a um regime de exceção, revelaram situações de ilegalidade patente no curso da ‘Operação Satiagraha’: participação da ABIN na realização de inquérito policial; sérios indícios de infiltração de interesses privados na investigação oficial; fragmentos de espionagem de autoridades, sem motivo e sem autorização do juiz natural, dentre tantas outras absurdidades visíveis a olho nu até mesmo para um jejuno do Direito. Espantoso, pessoas submetidas a ‘averiguações’ típicas de regimes totalitários em plena normalidade republicana”.
De acordo com a decisão, o fato revelado pelos acusados era importante do ponto de vista penal e sua revelação passível de causar dano ou perigo de dano à Administração Pública. “A informação sigilosa constitui o objeto material do crime. É indisputável que um dos objetivos pretendidos pelos acusados, ao revelarem a jornalistas fato que deveria permanecer em segredo, era o de produzir prova para uma futura ação penal contra Daniel Dantas, Humberto Braz e Hugo Chicaroni por crime de corrupção ativa. É o registro indelével, perene, inatacável da repreensível revelação do sigilo funcional pelo acusado Protógenes aos jornalistas”.
O juiz decretou, ainda, a perda dos cargos públicos ocupados pelos acusados no Departamento de Polícia Federal. (VPA)