A Globo Comunicação e Participações S/A terá de exibir durante a 10ª edição do programa "Big Brother Brasil", que termina amanhã (30/3), um esclarecimento à população sobre as formas de contração do vírus HIV definidas pelo Ministério da Saúde. A decisão liminar foi proferida hoje (29/3) pelo juiz federal substituto Paulo Cezar Neves Junior, que está no exercício da titularidade da 3ª Vara Federal Cível de São Paulo.
A ação cautelar foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) após um dos participantes do reality show, Marcelo Dourado, ter feito a seguinte afirmação: "hetero não pega AIDS, isso eu digo porque eu conversei com médicos e eles disseram isso. Um homem transmite para outro homem, mas uma mulher não passa para o homem". A declaração, feita no dia 2/2, foi incluída na edição dos melhores momentos do programa e exibida em 9/2/2010.
Tais declarações não correspondem à realidade, o que se pode verificar no sítio do Ministério da Saúde na internet (www.aids.gov.br), onde se lê: "O HIV pode ser transmitido pelo sangue, sêmen, secreção vaginal e pelo leite materno". Aliás, como destacou a União Federal em sua manifestação no processo, "é significativamente maior no Brasil o número de casos de homens infectados com o HIV por mulheres em relação ao número de casos de homens infectados por outros homens. Além disso, a epidemia está estabilizada entre os homossexuais e vem crescendo entre os heterossexuais".
Na decisão, o juiz destacou que o impacto da informação equivocada sobre a saúde pública brasileira é certamente muito elevado, tendo em vista a notória audiência do programa. "Há que se considerar, ainda, a condição de verdadeiras celebridades a que são alçados os participantes dos chamados reality shows sendo, por isso, de grande peso suas declarações sobre boa parte da sociedade. [...] Além disso, destaque-se que o declarante diz ter obtido as informações com médicos, o que aumenta seu potencial de convencimento".
Paulo Cezar Junior entende que a ré (Globo) tem responsabilidade no caso uma vez que as declarações foram selecionadas por ela na edição das imagens apresentadas no dia 9/2/2010. "O questionado nesta ação é justamente a edição feita pela ré, que incluiu declarações do participante do programa sobre a forma de se contrair o vírus HIV". Para o MPF, ao veicular tais declarações, a emissora teria deixado de fornecer informações corretas sobre as formas de transmissão do vírus HIV, atentando contra os programas de prevenção de doenças adotados pelos Poderes Públicos.
"Certamente, a liberdade de expressão deve ser interpretada de forma ampla a garantir a criação, expressão e difusão do pensamento e da informação sem interferências. Disso não se discrepa. No entanto, não há liberdade pública absoluta que se sobreponha às demais", diz a decisão.
"Não se busca nesta ação coibir qualquer manifestação de pensamento, mas apenas garantir, juntamente com este, o direito fundamental à correta informação envolvendo a saúde pública. Busca-se a harmonização dos direitos fundamentais envolvidos. [...] A análise sistemática da Constituição Federal impõe que a liberdade de comunicação seja limitada pelo exercício de outros direitos fundamentais nela previstos, dentre eles o direito à saúde", afirma Paulo Cezar Junior.
A Globo argumentou que os participantes do programa têm total liberdade de expressão e que qualquer declaração feita por eles em nada espelha a opinião e/ou orientação da emissora; que a manifestação do participante Marcelo Dourado não reflete o posicionamento da TV Globo sobre o tema; e que o apresentador disse no ar que "as opiniões e batatadas emitidas pelos participantes do programa são de responsabilidade exclusiva dos participantes, para ter acesso às informações corretas sobre como é transmitido o vírus HIV acesse o site do Ministério da Saúde".
Na visão do juiz, a conduta assumida pela emissora de "liberalidade" não é suficiente para cumprir seu dever de não afrontar o direito fundamental de informação e prevenção de doenças, "já que incapaz de atingir igualmente os telespectadores que assistiram às declarações equivocadas, tendo em vista a diferença entre os meios de comunicação em que fora realizada a declaração equivocada (televisão) e aquele em que seria obtida a correta informação (internet), sendo diferentes os níveis sociais, econômicos e de instrução necessários para que as pessoas tenham acesso a tais meios".
Por fim, Paulo Cezar Junior determinou que a emissora exiba o esclarecimento durante a edição do "Big Brother Brasil" em andamento, com duração de, no mínimo, o mesmo tempo utilizado para a exibição das informações equivocadas do dia 9/2, sob pena de multa no valor de R$ 1 milhão. (RAN)