Um acordo homologado pelo Juizado Especial Federal de Registro no último dia 19 de julho entre a moradora do Quilombo Pedro Cubas, P. M. D., e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), teve destaque por seu aspecto simbólico e inovador.
O processo, que resultou em acordo e deu direito à autora receber o benefício de auxílio-doença, comprovou a eficácia do meio virtual e demonstrou que é possível testar os limites do sistema informatizado, com a realização de inspeção judicial in loco e fotos digitais tiradas para instruir os autos.
O acordo final, que extinguiu o processo, foi homologado pelo juiz federal Venilto Paulo Nunes Júnior, presidente do JEF/Registro. Segue, abaixo, a íntegra da sentença:
“Este processo tem como início petição assinada por quem fez do hábito e da beca instrumentos de defesa do povo mais necessitado do Vale do Ribeira, aí incluído o povo quilombola. É fruto de uma alma quixoteana, de quem fez da vida a defesa de ideais e acredita num mundo mais justo e igual.
E este feito chega a seu termo com acordo proposto por Procuradora do INSS, que bem entende a finalidade dos Juizados Especiais Federais e sabe que neste rito se exige uma postura mais flexível dos operadores do direito. A transação, em casos como tais, em que a procedência do pleito é muitíssimo provável, traz economia aos cofres públicos, evita a leitura apressada de contestações-padrão, de recursos ao léu e de incidentes processuais desnecessários. Faz com que o povo acredite no Judiciário e nas instituições públicas como um todo.
A conduta de ambas merece reconhecimento e elogio, que ora formalizo.
Mas não é só isto.
Este processo é mais do que a conquista de um direito de D. e do povo quilombola.
Ele possui uma simbologia própria.
Neste processo houve, além da prática dos rotineiros atos processuais previstos no rito da Lei nº 10.259/01, inspeção judicial, ora vestida em sua forma virtual, que veio a testar os limites do sistema informatizado.
É uma demonstração de que o processo virtual ainda é subutilizado e que só não alcança outros ritos porque ainda há o fetiche pelos papéis, carimbos, capas e contra-capas.
Digo isto porque o processo virtual, com sua padronização e seus números assustadores, pode trazer a perspectiva de que seu rito é engessado, rígido, em que o juiz é mero coadjuvante ou ilustre espectador, a conviver com a supremacia dos bytes, linguagens de programação, banco de dados, links e coisas do gênero. Mas só a visão míope dos gabinetes de portas cerradas pode insistir em enxergar, deste modo, algo tão adequado à célere prestação jurisdicional.
Neste processo em específico, a prova que poderia, à primeira vista, parecer mais inadequada ou dispensável, que fugiu ao rotineiro e testou os limites do sistema, foi a necessária a desatar o único nó que separava sapé e tecnologia digital e que hoje pode diferenciar fome e comida. Provou-se, como numa operação matemática, que paradoxos e antíteses podem conviver, que singularidade e virtualidade não são incompatíveis.
Daqui a pouco tempo, tenho certeza de que nos convenceremos de que o processo virtual é tão humano como o de papel e que se mudou apenas o suporte físico.
Tudo vai ser olhado como comum e rotineiro.
Esta sentença nem será compreensível.
E é melhor por um ponto final: o juiz deve ater-se a dizer o necessário, sem rodeios, adjetivos, parábolas e divagações.
Ainda estou certo de que disse apenas o que deveria.
E aqui, com satisfação, ponho este ponto final, e HOMOLOGO O PRESENTE ACORDO nos termos acima propostos, para que surta os efeitos legais. Em conseqüência, JULGO EXTINTO o processo, com julgamento do mérito, com amparo no art. 269, inciso III, do Código de Processo Civil.” (RAN)