O juiz federal Márcio Ferro Catapani, da 2ª Vara Federal Criminal, condenou os donos da empresa “Split Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários” Enrico Picciotto e Francisco Carlos Geraldo Calandrini Guimarães por gestão fraudulenta de instituição financeira e movimentação de dinheiro paralelamente à contabilidade exigida pela legislação.
O Ministério Público Federal denunciou os donos da Split e mais 13 pessoas pela prática de crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra a paz pública, relacionados ao denominado “esquema dos precatórios”, deflagrado na época em que Paulo Maluf era prefeito de São Paulo.
De acordo com a denúncia, alguns Estados e Municípios emitiam títulos públicos (adquiridos por fundos de liquidez pertencentes aos mesmos entes que os emitiam) para financiar o pagamento de precatórios. Os fundos, por sua vez, ajustavam com terceiros (em geral empresas públicas ou fundos de pensão de entidades públicas) um preço para a revenda dos títulos em tela. A Split DTVM montava uma cadeia de negociações dos títulos, que tinha como vendedor inicial o fundo de liquidez e como comprador final a entidade que pretendia manter os títulos em carteira. O fundo de liquidez alienava os títulos públicos a uma pessoa participante do conluio, com um deságio significativo.
Na cadeia de negociações, havia uma pessoa jurídica inapta perante o Fisco, que adquiria os títulos por valor próximo ao do início da cadeia e os vendia por preço próximo àquele que seria pago pelo comprador final, ficando com a quase totalidade dos recursos desfalcados dos cofres públicos. Essas pessoas eram “laranjas” da Split DTVM e transferiam os lucros obtidos para diversas outras pessoas, físicas ou jurídicas.
A Split DTVM também organizava cadeias de negociações para outras pessoas jurídicas que desejassem desviar recursos. Nelas, a pessoa jurídica que objetivava o desvio dos recursos comprava títulos, às vezes inexistentes, e os revendia por um valor menor, obtendo prejuízo equivalente ao valor do pretendido desvio, acrescido do valor dos serviços cobrado pela Split DTVM e de uma comissão cobrada pelas demais instituições participantes da cadeia. No âmbito dessas cadeias, a Split DTVM comprava os títulos e os revendia por um valor maior, realizando lucro igual ao valor do pretendido desvio acrescido do valor cobrado por seus serviços.
Para “lavar” recursos desviados das empresas ligadas à Split DTVM, a Split CM mantinha uma conta-corrente na qual era depositada e contra a qual era sacada diariamente uma grande quantidade de cheques e ordens de pagamento. Outras pessoas jurídicas emitiam cheques com base notas ou recibos sem lastro em operações reais, que eram descontados com doleiros. Os doleiros depositavam os cheques na conta-corrente da Split CM, que, no mesmo dia ou no próximo, emitia cheques para pagamentos, a mando desses mesmos doleiros, agindo como uma espécie de câmara de compensação.
Para o juiz, o lucro obtido com o esquema foi extraordinário, pois permitiu que as instituições obtivessem resultados significativamente acima da Selic, taxa básica utilizada para a correção de títulos da dívida pública federal. O lucro em operações de day trade, usualmente, advém de oscilações do mercado ocorridas em um mesmo dia – o que não ocorreu com o restante do mercado (outros títulos de renda fixa) nos dias das cadeias de negociações questionadas, ao menos em porte tão significativo que justificasse as diferenças de preços entre o primeiro e o último negócios realizados na mesma data.
“[...] esse resultado financeiro adveio em operações de day trade, nas quais não houve o desembolso de qualquer quantia pela Split DTVM. É importante salientar que as operações de day trade, em si, não são irregulares, mas as circunstâncias nas quais os negócios em tela ocorreram permitem concluir pelo seu fim ilícito. Resta, portanto, caracterizada a fraude, em prejuízo, em última instância, do Tesouro dos Estados e Municípios envolvidos (ou, mais diretamente, dos respectivos Fundos de Liquidez)”, disse Márcio Catapani.
Penas
Para o juiz, não há diferenças significativas nas condutas dos acusados Enrico Picciotto e Francisco Carlos Geraldo Calandrini Guimarães, nem nas circunstâncias judiciais de cada um deles. “Assim, a pena a eles aplicada, em obediência ao princípio da isonomia, deve ser a mesma”. Os dois foram condenados por gestão fraudulenta de instituição financeira e por movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação a 7 anos e 6 meses de reclusão em regime inicial semi-aberto. Ambos poderão apelar em liberdade.
Sérgio Chiamarelli Júnior, Fernando Jorge Carneiro Filho, Aparecida Lopes Magro de Oliveira, Amarildo José Mendes Monteiro, Marcos Bassit, Pedro Antonio Mammana Moquedace e Ruth Gomes Martins Alves foram absolvidos pelo juiz pelos crimes de gestão fraudulenta de instituição financeira e movimentação de recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação, com relação aos fatos relacionados à administração da Split DTVM.
O juiz julgou improcedente a pretensão punitiva quanto aos fatos relacionados à Split CM (negociação de títulos ou valores mobiliários sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente e gestão fraudulenta) e quanto aos fatos relacionados à administração do Beron. Quanto ao crime de formação de quadrilha, Márcio Catapani declarou extinta a punibilidade de todos os 15 acusados devido à prescrição punitiva. A sentença é do dia 25/5. (VPA)
Processo nº 2000.61.81.003633-3