A Justiça Federal determinou que a União Federal deverá fornecer a uma mulher o medicamento importado Soliris, que não tem registro na Anvisa. Além disso, a União está expressamente proibida de utilizar verbas do orçamento da Saúde para a aquisição do medicamento, devendo o custo ser suportado por verbas destinadas no orçamento à veiculação da publicidade oficial. A decisão liminar é do juiz federal Paulo Marcos Rodrigues de Almeida, da 2ª Vara Federal em Guarulhos/SP.
A autora da ação afirma ser portadora de uma rara doença genética progressiva e potencialmente fatal, denominada “hemoglobinúria paroxística noturna” (HPN), que provoca a destruição dos glóbulos vermelhos, ensejando anemias, tromboses, doença renal crônica, hipertensão pulmonar, dispneia e dores torácicas e abdominais.
Por não apresentar resposta satisfatória aos tratamentos tradicionais, como transfusões de sangue quinzenais, aplicação de ciclosporina, entre outros, a autora entrou com ação solicitando o medicamento Soliris (Eculizumabe), importado e sem registro, que alegadamente poderia melhorar sua qualidade de vida e aumentar sua expectativa de vida com a doença.
Na decisão, o magistrado avaliou a possibilidade de o Poder Judiciário determinar o fornecimento de medicamentos ou tratamentos de saúde não previstos nas politicas públicas existentes, citando precedentes do Supremo Tribunal Federal que “se não eliminam toda e qualquer controvérsia sobre o tema, ao menos conferem um guia para o julgamento dos casos concretos”.
Em um dos processos, a Corte reconheceu a possibilidade do Judiciário “vir a garantir o direito à saúde, por meio do fornecimento de medicamentos ou de tratamento imprescindível para o aumento de sobrevida e a melhoria de qualidade de vida do paciente, desde que existam nos autos provas suficientes quanto ao estado de saúde do requerente e a necessidade do medicamento indicado”.
Na ocasião, o ministro Celso de Mello entendeu que “entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde – que se qualifica como direito subjetivo e inalienável a todos assegurado pela própria Constituição – ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado [...] impõe ao julgador, uma só opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida”.
Paulo de Almeida relata que a petição inicial apresenta diversos estudos e relatórios que apontam a eficácia superior do medicamento Soliris em relação aos tratamentos tradicionais e indicam o fato de o remédio já ter sido autorizado pela FDA e EMA, órgãos de segurança sanitária do Estados Unidos e da Europa, respectivamente. Em virtude disso, o juiz entende tratar-se de um caso excepcional, em que o Poder Judiciário pode determinar o fornecimento de um medicamento importado não registrado na Anvisa.
Finalmente, o magistrado fala sobre o problema que poderia acarretar a determinação de fornecimento pelo governo de um medicamento caro para um único paciente, sendo finitos os recursos orçamentários vinculados à Saúde, em prejuízo da imensa coletividade de usuários do sistema público de saúde. Entretanto, ele entende que a saúde e a educação foram eleitas pela Constituição Federal como prioridades da nação e que é possível que orçamento destinado a outras áreas não prioritárias seja para lá realocado.
O juiz indaga se é razoável que o Estado brasileiro se negue a fornecer a portadores de uma doença rara um caro medicamento importado, sob a justificativa de carência de recursos, quando segue veiculando regularmente na TV, internet e jornais impressos anúncios publicitários desvestidos de qualquer caráter educativo, informativo ou de orientação social, voltados à mera exaltação das iniciativas do Governo.
“Cumpre registrar que uma rápida consulta à execução do Orçamento Federal (Portal da Transparência) evidencia a existência de milhões de reais alocados à sub-função ‘Comunicação Social’, dentro da função Administração. Não há, pois, que se falar em ausência de recursos públicos para atendimento da pretensão da autora, tampouco em indevido redirecionamento de recursos já destinados ao atendimento de outras prestações de saúde”, afirma Paulo de Almeida.
A União tem o prazo de cinco dias para informar quais foram as providências adotadas para o cumprimento da decisão e qual o prazo previsto para a entrega do medicamento à autora. Em caso de descumprimento, será aplicada uma multa diária de R$ 5 mil, a ser suportada pessoalmente pelas autoridades encarregadas, sem prejuízo de eventual responsabilização por improbidade administrativa e crime de desobediência (FRC)
Processo n.º 0008817-82.2015.403.6119