A 24ª Vara Federal Cível de São Paulo/SP determinou, em 19/12, a suspensão de qualquer ato relativo à concretização da operação de transferência da parte comercial da Embraer S/A para a empresa Boeing. A liminar foi proferida pelo juiz federal Victorio Giuzio Neto em uma ação civil pública, movida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) e pelos sindicatos de metalúrgicos de São José dos Campos/SP, Araraquara/SP e Botucatu/SP.
De acordo com os autores do processo, a negociação entre as duas empresas resultaria na criação de uma nova companhia (joint venture), na qual a Embraer teria 20% da participação acionária e a Boeing ficaria com os outros 80%, além de também absorver 100% das operações e serviços da aviação comercial da Embraer. Contudo, afirmam que a natureza jurídica do negócio seria, na verdade, a aquisição da empresa nacional pela americana, e não a criação de uma joint venture.
Desse modo, haveria diversos impedimentos legais para a realização da transação, previstos na Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976). Além disso, sustentam que a assimetria na participação acionária de cada empresa comprometeria os interesses nacionais.
Outro ponto levantado foi que, por se tratar de aquisição do controle acionário por capital estrangeiro, a União deveria exercer seu poder de veto em razão da “ação de classe especial” que detém junto à Embraer, a chamada golden share. Essa ação preserva a participação do Poder Público nas decisões importantes das companhias que foram desestatizadas, sendo uma garantia de que a atividade estratégica que foi transferida para a iniciativa privada permaneça subordinada aos interesses do país, independentemente do interesse econômico ou financeiro dos demais acionistas.
Em sua manifestação, a União argumenta que a negociação entre as empresas encontra-se em uma fase preliminar, havendo apenas expectativa de direito em relação às tratativas. Por esse motivo, afirma que não foi possível fazer qualquer pronunciamento acerca da questão e nem mesmo exercer o seu poder de veto decorrente da golden share. Alega também que está em discussão apenas a negociação da parte comercial civil da Embraer, mantendo-se inalterada sua atuação no âmbito militar.
Esclarece, ainda, que o acordo entre a Embraer e a Boeing não caracteriza efetiva venda da companhia brasileira, mas sim estabelece um tratado prévio para uma negociação futura, caso seja comercialmente interessante, com diversos indicativos que não haverá qualquer prejuízo aos interesses nacionais.
Em sua decisão, o juiz federal Victorio Giuzio Neto afirma que, em princípio, nem mesmo o Conselho de Administração da Embraer teria poderes para negociar no nível que se pretende, pois o que de fato ocorrerá “é uma transferência de patrimônio da Embraer”. Para o magistrado, “não há como não reconhecer uma ‘cisão’ da Embraer, apartando uma teórica ‘parte comercial’ e, portanto, sem existência autônoma, para criação de uma nova empresa cujo capital social majoritário seria detido pela Boeing, que teria ainda exclusividade nas decisões gerenciais e administrativas desta nova companhia”.
Victorio Giuzio considera que a “brutal assimetria na composição acionária desse empreendimento (joint venture) impede sua concretização [...]. Para a assunção do controle acionário, o método previsto em lei garante a disputa, em condições de igualdade, entre acionistas majoritários e minoritários, sob o regime de oferta pública de ações sob preços de mercado. Não existe a possibilidade de aquisição unilateral do controle acionário sem esse procedimento”, pontua o magistrado.
A liminar determinou, portanto, que a operação de transferência da parte comercial da Embraer fique suspensa até que a Boeing, a União Federal, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a própria Embraer se manifestem nos autos, afim de que o Juízo tenha condições de analisar as irregularidades apontadas pelos autores do processo. (JSM)
Processo n.º 5031433-18.2018.403.6100 – íntegra da decisão