A juíza federal Renata Andrade Lotufo rejeitou a denúncia contra uma pessoa por suposta incitação pública à prática de crime (art. 286 do Código Penal), por haver organizado em rede social um “tomataço pacífico” contra o atual ministro do STF, Gilmar Mendes. Além disso, o denunciado compareceu em eventos em que o ministro esteve presente e atirou-lhe tomates em protesto às decisões prolatadas por ele.
Ao ser ouvido durante as investigações policiais, o acusado disse não existir intuito de causar qualquer tipo de lesão ao ministro, utilizando-se, para tanto, de tomates maduros ou cozidos.
Renata Lotufo afirma que a liberdade de expressão é um “direito fundamental de 1ª geração, que possui inegável posição preferencial em relação aos demais direitos”. Ela acrescenta que a liberdade de expressão está prevista em diversos tratados e declarações internacionais, dos quais o Brasil é signatário.
“Causa preocupação que, em um país como o nosso, com recente histórico nefasto de autoritarismo e violação à liberdade de expressão (especialmente durante o regime militar), atualmente tantos agentes políticos, de diferentes espectros políticos (inclusive alguns que tiveram a sua liberdade de expressão violada durante a ditadura) procurem, com frequência, o Judiciário no intuito de impedir manifestações de humoristas, jornalistas e cidadãos em geral”, pondera a juíza.
Lotufo cita algumas decisões proferidas no STF, pelo próprio ministro Gilmar Mendes, nas quais ele criticava o ingresso ao judiciário para impedir manifestações artísticas ou de pensamento.
Com relação ao delito de incitação, ela afirma que, para se configurar, deve haver necessariamente um crime a ser incitado. “Há notícias de que o acusado tenha tentado atirar tomates em inúmeros eventos, não havendo informações, contudo, de que qualquer outro alimento ou objeto apto a causar lesões tenha sido arremessado. [...] O acusado afirmou nunca ter pretendido atingir a integridade física, mas apenas protestar”.
A juíza menciona, na decisão, que na Espanha existe um evento chamado “Tomatina”, no qual milhares de pessoas se reúnem para atirar tomates umas nas outras e que não há, até hoje, noticias de ferimentos em razão dessa prática, o que demonstra a ausência de lesividade à integridade física no ato de atirar tomates.
“A conduta do denunciado, ainda que possa ser tida por reprovável, está inserida no contexto de sua liberdade de expressão, sendo certo que agentes públicos (tais como este juízo) e, especialmente, pessoas em posições elevadas no espectro político e jurídico, estão sujeitos a um grau maior de crítica social”, explica Lotufo.
Outro ponto levantado pela magistrada é que, se por um lado, o chefe do Executivo está sujeito ao controle do voto e a processos de impeachment, “ministros do STF não estão sujeitos à fiscalização quanto à demora na prolação de decisões, tampouco à fiscalização do CNJ (conforme decidido pelo próprio STF), de modo que resta à população tão somente o protesto como forma de exteriorização de sua discordância”.
Por fim, Lotufo destaca que “100% das decisões judiciais serão de alguma maneira criticada [...] de modo que não é possível a um pretendente ao cargo de magistrado imaginar que a população (especialmente aquela sem formação jurídica) não fará uso, ainda que de maneira reprovável, de termos pejorativos e palavras de baixo calão tais como descrito na denúncia”.