O juiz federal Alessandro Diaferia, da 1ª Vara Criminal Federal de São Paulo/SP, rejeitou hoje (4/5) a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra seis acusados de participação na morte do jornalista Wladimir Herzog, ocorrida em 25/10/1975 na sede do Destacamento de Operações e Informações do II Exército (DOI-CODI).
Foram denunciados Audir Santos Maciel, comandante responsável pelo referido destacamento; José Barros Paes e Altair Casadei, chefes de comando da 2ª Seção do Estado-Maior do II Exército; Harry Shibata e Arildo de Toledo Viana, médicos legistas; e Durval Ayrton Moura de Araújo, representante do Ministério Público Militar à época dos fatos.
Segundo o órgão ministerial, a chamada “Lei da Anistia” (Lei no 6.683/79) não deveria incidir sobre os acusados por quatro motivos: 1) os crimes teriam sido praticados em contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira, promovido com o objetivo de assegurar a manutenção do poder usurpado em 1964; 2) as condutas já eram qualificadas como crimes contra a humanidade no início da execução delitiva; 3) a decisão da Corte Interamericana possui efeito vinculante e não é incompatível com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF); 4) os fatos imputados constituem crime contra a humanidade, sendo, portanto, imprescritíveis.
Porém, o juiz rejeitou os argumentos do MPF. “Não obstante o louvável empenho do órgão ministerial, nas suas percucientes ponderações introdutórias à denúncia, em que pretende ver afastada a extinção de punibilidade dos fatos narrados; e não obstante a gravidade e a irreversibilidade das consequências dos fatos narrados, considera este Juízo que não há amparo legal ao prosseguimento da presente persecução penal, sendo forçoso reconhecer a extinção da punibilidade em decorrência da concessão de anistia”, afirma Alessandro Diaferia na decisão.
Segundo o magistrado, a Lei no 6.683/79 estabelece que os crimes políticos ou conexos com esses, considerando-se conexos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, perpetrados entre 2/9/1961 a 15/8/1979, foram anistiados. “Nesse passo, deve ser dito que a anistia é uma das formas de extinção da punibilidade que se caracteriza pelo esquecimento jurídico do ilícito, concedida pelo Congresso Nacional, por meio de lei, não suscetível de revogação, e que possui como decorrência a extinção de todos os efeitos penais dos fatos, remanescendo apenas eventuais obrigações de natureza cível”.
Alessandro Diaferia afirma que a Lei da Anistia possui relevo histórico na superação do Estado de exceção, tendo sido expressamente reafirmada no ato convocatório da Assembleia Nacional Constituinte, que resultou na promulgação da Constituição Federal. “Veja-se, portanto, o relevo histórico e jurídico que permeou as bases para o advento da nova ordem constitucional, inaugurada aos 5/10/1988: a conciliação e a superação dos males reconhecidamente praticados durante o período de exceção eram elementos inspiradores para a formulação de um novo Estado, que pudesse receber, com merecimento, os qualificativos de democrático e de direito. Não se pode, portanto, ignorar tal contexto quando se discute o instituto da anistia”.
O juiz ressalta, ainda, que, conforme decisão plenária do STF, os efeitos da Lei da Anistia não foram afastados pela Constituição Federal de 1988, alcançando, portanto, os crimes políticos ou conexos com esses. “A decisão proferida em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental possui eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público no que evidentemente se enquadram o Poder Judiciário, o Ministério Público e os demais atores do sistema de distribuição de Justiça vigente no Brasil [...]. O próprio órgão ministerial reconhece tal circunstância, para, então buscar uma forma de contorná-la”.
Para Alessandro Diaferia, descabe cogitar a aplicação retroativa das disposições e diretivas de direito internacional que pretendam invalidar, direta ou indiretamente, a aplicação da Lei nº 6.683/79. “Defender tal entendimento contraria, sim, e frontalmente, o dispositivo de decisão do Supremo Tribunal Federal [...]. Acolher a promoção ministerial e receber a denúncia também implicaria retroagir no tempo para atingir o passado, já que à época dos fatos o Brasil ainda não estava vinculado às invocadas disposições e diretivas de direito internacional público”.
Por fim, o magistrado ressalta que “não se trata de acobertar atos terríveis cometidos no passado, mas sim de pontuar que a pacificação social se dá, por vezes, a duras penas, nem que para isso haja o custo, elevado, da sensação de ‘impunidade’ àqueles que sofreram na própria carne os desmandos da opressão”. (RAN)
Ação Penal no 5001469-57.2020.4.03.6181 – íntegra de decisão