A juíza federal Marina Sabino Coutinho, da 1a Vara Federal de São Vicente/SP, determinou, no dia 4/10, que a Fundação Nacional do Índio – Funai, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra e a União Federal cumpram uma série de obrigações para que não haja o registro de novas propriedades em áreas que podem se tornar terras indígenas no litoral paulista.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o registro de propriedades particulares dentro de terras indígenas que ainda não foram homologadas se tornou possível após a edição, pela Funai, da Instrução Normativa (IN) nº 9, de 16 de abril de 2020. O novo texto substituiu uma norma de 2012 e restringiu substancialmente as hipóteses que impediam a emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL) para proprietários rurais. Tal documento, exigido para o registro do imóvel, atesta a inexistência de sobreposição da propriedade com área de usufruto indígena, pertencente à União.
No pedido de liminar, o MPF argumenta que antes da IN-09/2020, não podiam obter a DRL os imóveis que incidiam em terras indígenas em estudo de identificação e delimitação, bem como naquelas delimitadas pela Funai, declaradas pelo ministro da Justiça ou interditadas. Com a edição da nova norma, tais casos deixaram de ser impedimento para o reconhecimento dos limites de imóveis rurais, permitindo-se o registro de propriedade de territórios que podem se tornar terras indígenas no futuro.
Em sua decisão, a juíza esclarece que a área de abrangência da Ação Civil Pública (ACP) é limitada à jurisdição da Subseção de São Vicente (Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande e São Vicente). A via eleita (ACP) é adequada, já que a declaração de inconstitucionalidade da IN-09/2020 é apenas incidental, não sendo o objeto da ACP.
Marina Coutinho afirma que a Instrução Normativa no 09/2020 da Funai não só potencialmente viola os direitos das populações indígenas, como também cria situação de insegurança jurídica para os particulares, “pois a certificação da propriedade sob terras indígenas gera expectativa de direito que tende a ser suprimida pela posterior, e possível, homologação da terra indígena. Em outras palavras, a IN-09/2020 permite o registro de propriedade de terras que podem se tornar terras indígenas posteriormente”.
Ademais, ressalta a juíza, a referida instrução normativa potencializa os conflitos fundiários sobre as terras indígenas em processo de demarcação com limites traçados, aumentando a situação de vulnerabilidade das populações indígenas. “Resta demonstrado que a publicação da IN-09/2020, pela Funai, tem resultado em diversos registros de propriedades particulares localizadas dentro de terras indígenas que ainda não foram homologadas, o que aumenta a possibilidade de conflitos por terra, já numerosos em nosso país”.
Sendo assim, Marina Coutinho determinou as seguintes obrigações:
1) Que a Funai mantenha ou, no prazo de 30 dias, inclua no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) as terras indígenas presentes nos municípios integrantes da Subseção Judiciária de São Vicente em processo de demarcação nas seguintes situações: (a) Área formalmente reivindicada por grupos indígenas; (b) Área em estudo de identificação e delimitação; (c) Terra indígena delimitada (com os limites aprovados pela Funai); (d) Terra indígena declarada (com os limites estabelecidos pela portaria declaratória do ministro da Justiça); e (e) Terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados;
2) Que a Funai considere, na emissão da Declaração de Reconhecimento de Limites (DRL), as terras indígenas presentes nos municípios integrantes da Subseção Judiciária de São Vicente em processo de demarcação nas seguintes situações: (a) Área formalmente reivindicada por grupos indígenas; (b) Área em estudo de identificação e delimitação; (c) Terra indígena delimitada; (d) Terra indígena declarada; e (e) Terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados;
3) Que a Funai mantenha ou, no prazo de 30 dias, inclua no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar) as terras indígenas presentes nos municípios integrantes da Subseção Judiciária em São Vicente em processo de demarcação nas seguintes situações: (a) Área formalmente reivindicada por grupos indígenas; (b) Área em estudo de identificação e delimitação; (c) Terra indígena delimitada; (d) Terra indígena declarada; e (e) Terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados;
4) Que o Incra leve em consideração, no procedimento de análise de sobreposição realizada pelos servidores credenciados no Sigef, as terras indígenas presentes nos municípios integrantes da Subseção Judiciária de São Vicente em processo de demarcação nas seguintes situações: (a) Área formalmente reivindicada por grupos indígenas; (b) Área em estudo de identificação e delimitação; (c) Terra indígena delimitada; (d) Terra indígena declarada; e (e) Terra indígena com portaria de restrição de uso para localização e proteção de índios isolados;
5) Que o Incra e a União, como gestores do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), providenciem, no prazo de 30 dias, os meios técnicos necessários para o imediato cumprimento da decisão judicial.
Por fim, a liminar determina que o Incra e a União se abstenham de praticar qualquer ato tendente a refutar, desconsiderar ou embaraçar o cumprimento, pela Funai, das medidas determinadas. (RAN)
Ação Civil Pública no 5002617-29.2020.4.03.6141 – íntegra da decisão