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18/09/2020 - Acordo de não-persecução penal não pode ser utilizado em casos de arquivamento do processo

Uma sentença do juiz federal Paulo Bueno de Azevedo, da 2a Vara Federal de Mogi das Cruzes/SP, proferida em 18/9, determinou que não é cabível fazer acordo de não-persecução penal em casos onde não há justa causa para o prosseguimento da ação. Em seu lugar, concedeu um habeas corpus de ofício em favor da investigada e determinou o trancamento do inquérito.

O pedido para o acordo de não-persecução penal foi ofertado pelo Ministério Público Federal (MPF) num inquérito policial em que uma senhora de 80 anos fora investigada pelos crimes do art. 334 (venda de cigarros estrangeiros) e art. 253 (posse de fogos de artifícios para venda sem autorização), ambos do Código Penal. Somando-se as penas mínimas de ambos os artigos, o MPF concluiu pela possibilidade do oferecimento de proposta de acordo de não-persecução penal.

De acordo com o inquérito, a senhora foi surpreendida e detida por policiais civis em 2016, quando tinha 77 anos, no momento em que cuidava da mercearia do marido, que estava internado na UTI por problemas de saúde. No local, foram encontrados cigarros oriundos do Paraguai, importados fraudulentamente e sem o recolhimento dos impostos devidos, e apreendida grande quantidade de fogos de artifício sem autorização para o armazenamento e comercialização. A senhora acabou presa em flagrante e liberada após pagar uma fiança no valor de R$ 440,00.

Em sua decisão, o juiz afirma que a classificação do Ministério Público Federal para a oferta do acordo de não-persecução penal está juridicamente incorreta do ponto de vista formal. “É flagrante a ausência de justa causa no caso. Do ponto de vista substancial, não existe justa causa para o prosseguimento de qualquer persecução penal, razão pela qual se concede à senhora [...] habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal”.

Paulo Bueno de Azevedo aponta que o primeiro erro jurídico do MPF diz respeito ao enquadramento da venda dos cigarros estrangeiros como crime de descaminho. “Os fatos ocorreram posteriormente à Lei 13.008/2014, que dividiu os crimes de descaminho e contrabando. No caso, como os cigarros estrangeiros importados sem autorização enquadram-se no conceito de mercadoria proibida, seria o caso de configuração, em tese, do crime de contrabando”.

De outro lado, quanto à alegação de violação do art. 253 do Código Penal, o juiz observou que o MPF enquadrou os fogos de artifícios como engenho explosivo. “Ocorre que, no tocante ao engenho explosivo, o art. 253 foi derrogado pelo art. 16, parágrafo único, inc. III, da Lei 10.826/2003 (hoje art. 16, § 1º, inc. III, de acordo com a redação dada pela Lei 13.964/2019)”.

Portanto, diz Paulo Bueno, as condutas atribuídas à investigada de acordo com os artigos somariam penas mínimas de cinco anos, ou seja, fora dos limites do acordo de não-persecução penal.

Quanto à posse do artefato explosivo, o juiz faz um comparativo: “Se soltar fogos de artifício em comemoração de determinado evento, mesmo sem autorização, não configura crime, por que configuraria crime, do art. 253 do Código Penal ou do art. 16 da Lei 10.826/2003, a conduta de possuir fogos de artifício para venda sem autorização?”.

Paulo Bueno considerou atípica a posse dos fogos de artifício pela investigada e ressaltou que não se está dizendo que tal atividade não deva ser regulada. “Ela deve e é regulada pelo Direito Administrativo. E o que se faz quando algum estabelecimento ou pessoa descumpre normas administrativas? Impõe-se multa, dentre outras sanções administrativas possíveis”.

O magistrado afirma que a denúncia parece ter sido feita contra o marido da acusada, que se encontrava internado por ocasião da diligência policial e que, por sinal, acabou falecendo três dias depois. “A senhora foi presa por elementos meramente circunstanciais: era ela quem se pôs a cuidar do negócio do marido desde que ele fora internado há pouco mais de um mês. Não existe qualquer elemento indicando que ela era efetivamente a proprietária ou administradora do negócio. Não existe qualquer elemento indicando que ela administrava o negócio junto com o marido”.

Paulo Bueno ressalta, ainda, que a acusada foi ouvida pela Polícia Federal em 2020, quando já tinha 80 anos e apresentava sinais de demência e esquecimento, conforme atestado médico apresentado. “É mais do que flagrante a ausência de justa causa no caso em apreço. E ainda que houvesse, haveria de se questionar qual seria, aqui, a função do Direito Penal, considerando-se as condições pessoais da senhora”.

O juiz concluiu não caber o acordo de não-persecução penal no caso, “não podendo este recurso ser tratado como alternativa ao arquivamento, o que acarretaria, paradoxalmente, mais punição [...]. Cabível, pois, a concessão de ofício da ordem de habeas corpus, nos termos do art. 654, § 2o, do Código de Processo Penal”. Por fim, determinou o trancamento do inquérito e a devolução da fiança à acusada. (RAN)

Inquérito Policial no 5004335-75.2020.4.03.6104

Publicado em 18/09/2020 às 18h56 e atualizado em 25/11/2024 às 14h37