O dono de uma oficina de costura no bairro da Barra Funda, zona oeste da capital paulista, que mantinha quatro trabalhadores bolivianos em condições análogas às de escravo, submetendo-os a jornadas exaustivas e sujeitando-os a condições degradantes de trabalho, foi condenado, no dia 7/10, a quatro anos de reclusão e ao pagamento de 40 dias-multa (um salário mínimo para cada dia-multa). A decisão é da juíza federal Barbara de Lima Iseppi, da 4a Vara Federal Criminal de São Paulo/SP.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), após receberem uma denúncia anônima de “trabalho escravo”, dois policiais civis se dirigiram ao imóvel de J.L.C.R. e constataram o funcionamento de uma oficina de costura onde quatro cidadãos bolivianos (cunhados e um primo do réu), que habitavam com suas esposas e filhos no local, trabalhavam em ambiente impróprio, sem ventilação adequada, com instalações precárias e condições insalubres.
Foi apurado que os funcionários cumpriam jornadas de trabalho exaustivas, das 7h às 22h de segunda à sexta-feira, assim como das 7h às 13h aos sábados, recebendo de R$ 0,50 a R$ 1,00 por peça de roupa fabricada, o que lhes conferia, ao final do mês, rendimentos inferiores ao salário mínimo. O réu foi preso em flagrante e teve sua liberdade provisória deferida mediante o cumprimento de medidas cautelares.
Em sua decisão, Barbara Iseppi ressalta os termos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Inquérito no 3412, de que a “escravidão moderna” envolve cerceamento da liberdade através de constrangimentos não necessariamente físicos, mas econômicos, além de violações a direitos básicos da pessoa humana.
“Para a configuração dos crimes em tela basta ser caracterizada a submissão da vítima a trabalhos forçados, jornada exaustiva ou condições degradantes de trabalho. Ao mesmo tempo em que a escravidão contemporânea não exige a configuração de regime de trabalho com subjugação humana nos moldes do século XVI, período em que pessoas eram acorrentadas e açoitadas, também não se confunde com simples descumprimentos de normas de proteção ao trabalho”, afirma a juíza na decisão.
Para Barbara Iseppi, o caso refere-se à tratamento desumano, restrição à liberdade e processo de “coisificação” dos trabalhadores, utilizados como instrumentos para garantia de lucro fácil e competitividade em uma economia cada vez mais globalizada. “Conforme bem ressaltou o Ministério Público em seus memoriais, residir e trabalhar no mesmo local, juntamente com famílias e filhos no meio de roupas e materiais amontoados e desorganizados, por horas a fio, remuneração ínfima e com o isolamento social típico de trabalhadores ilegais, representa, sem a menor dúvida, circunstância degradante de vida e trabalho”.
A magistrada considerou a culpabilidade do réu em grau “expressivamente acima do normal”, uma vez que é residente no Brasil há quase dez anos, dos quais ao menos quatro em sua própria confecção, aparentemente valendo-se de trabalho análogo ao de escravos. Além disso, “reduziu seus próprios familiares às condições narradas nesta sentença, o que enseja reprovabilidade em grau maior, pois em se tratando de familiares as vítimas ficam em situação mais vulnerável, temendo represálias da própria família, não desejando voltar a seu país natal (onde a pobreza é ainda maior) e temem não causar mal a um parente, tanto que se viu a mudança nos depoimentos entre o dia do flagrante e da audiência judicial”.
Por fim, Barbara Iseppi julgou procedente a denúncia e condenou o réu J.L.C.R. a quatro anos de reclusão (regime inicial semiaberto) e ao pagamento de 40 dias-multa pelos crimes previstos no art. 149 do Código Penal. O réu poderá apelar em liberdade. (RAN)
Ação Penal no 5000350-61.2020.4.03.6181