A juíza federal Ana Lúcia Petri Betto, da 14a Vara Cível Federal de São Paulo/SP, deferiu ontem (27/4) tutela provisória de urgência determinando que a União Federal forneça, no prazo de 48 horas, os laudos de todos os exames aos quais o presidente da República, Jair Bolsonaro, foi submetido para a detecção da Covid-19, sob pena de multa diária no valor de R$ 5 mil em caso de descumprimento.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, autor da ação, entre os dias 7 e 10/3, uma comitiva de ministros de estado, secretários de governo, parlamentares e empresários, liderada pelo presidente da República, viajou aos Estados Unidos onde se reuniu com lideranças norte-americanas e, desde então, os veículos de comunicação vêm noticiando que 23 pessoas daquele grupo foram infectadas com o coronavírus, suscitando especulações e dúvidas sobre a saúde do presidente.
Alegou que no dia 13/3, o presidente, em sua conta no twitter, anunciou que os seus testes deram negativo para a Covid-19 sem, contudo, apresentar documento que atestasse aquele diagnóstico. Em 17/3, após ser submetido a um novo exame laboratorial, Bolsonaro divulgou, também nas redes sociais, que o 2° teste para a Covid-19 tinha dado negativo, novamente mantendo em sigilo absoluto o respectivo relatório laboratorial.
O Estado de S. Paulo argumentou, ainda, que diante da enigmática e injustificada resistência do presidente da República quanto a um definitivo e espontâneo esclarecimento, a equipe de reportagem vem tentando obter, sem sucesso, os laudos dos testes mencionados que confirmariam a veracidade daquela manifestação presidencial.
Em 17/4, a União Federal apresentou sua manifestação combatendo o mérito da ação, sustentando que “não está obrigada a violar a intimidade do Exmo. Presidente da República”.
Em sua decisão, Ana Lúcia Petri Betto afirma que “no Estado Democrático de Direito, a publicidade é regra geral. O sigilo é a exceção. Com efeito, o titular do poder político é o povo, de modo que os órgãos estatais e agentes políticos devem esclarecer aos mandantes as questões de relevante interesse nacional”.
A juíza ressalta que estão previstos de forma expressa na Constituição Federal o direito fundamental de acesso à informação (art. 5º, XXXIII), sobretudo quanto à documentação governamental (art. 216, § 2º), o princípio da publicidade (art. 37, caput e § 3º, II) e, finalmente, o princípio republicano (art. 1º), fonte dos deveres de transparência e de prestação de contas.
Ana Lúcia destaca, também, que a Constituição excepciona a regra da publicidade somente em duas hipóteses: aquelas que envolvam informações cujo sigilo é imprescindível à segurança da sociedade e do Estado e aquelas que versem sobre dados protegidos pelo direito à intimidade. “Em se tratando de restrições ao direito fundamental de acesso à informação, devem ser interpretadas de maneira estrita, recaindo sobre a ré o ônus argumentativo de demonstrar uma das situações suprarreferidas”.
Muito embora o acesso a informações pessoais ocorra, via de regra, com o consentimento do titular, a anuência não é exigida para os casos de proteção do interesse público e geral e nem para a recuperação de fatos históricos de maior relevância. “A presente demanda não objetiva uma devassa injustificável na vida privada do presidente, mas tão somente o acesso aos laudos dos exames relativos à Covid-19”, afirma a magistrada na decisão.
Ana Lúcia ressalta que no atual momento de pandemia que assola não só Brasil, mas o mundo inteiro, os fundamentos da República não podem ser negligenciados, em especial quanto aos deveres de informação e transparência. “Repise-se que todo poder emana do povo, de modo que os mandantes do poder têm o direito de serem informados quanto ao real estado de saúde do representante eleito”.
A juíza finaliza sua decisão afirmando que “a recusa no fornecimento dos laudos dos exames é ilegítima, devendo prevalecer a transparência e o direito de acesso à informação pública”. (RAN)
Procedimento Comum Cível no 5004924-79.2020.4.03.6100 – íntegra de decisão