A 4ª Vara Federal em Guarulhos/SP condenou um ex-auditor fiscal por atos de improbidade administrativa na chamada “Operação Trem Fantasma”, que investigou um esquema envolvendo fiscais da Receita Federal do Brasil (RFB) que facilitavam o descaminho de produtos importados no Aeroporto Internacional de Guarulhos e fraudavam tributos. A decisão foi proferida em 18/6 pelo juiz federal Etiene Coelho Martins.
O magistrado decretou a perda dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu; ressarcimento integral do dano causado; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos por 8 anos; multa civil no valor de R$ 100 mil; e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais pelo prazo de 10 anos.
O Ministério Público Federal (MPF) afirma que o esquema envolvendo servidores da Receita e empresários consistia em substituir produtos importados de alto custo por uma carga de menor valor (carga clone) no momento do desembarque no Aeroporto e, em seguida, liberar os produtos. Com isso, a tributação era feita sobre a carga clone, resultando em arrecadação tributária menor. Na época dos fatos, o réu era o chefe substituto da equipe de trânsito aduaneiro do Aeroporto de Guarulhos, tendo como atribuições fazer a análise da Declaração de Trânsito Aduaneiro – DTA, conferência e liberação das cargas importadas.
Segundo a Procuradoria, em 22/12/2009 houve o desembarque de 18 toneladas de produtos importados pela Marítimas Importação e Exportação LTDA, empresa que já vinha sendo investigada por suspeita de fraude. A carga foi parametrizada no canal vermelho do Aeroporto de Guarulhos para que os servidores da Receita realizassem a conferência. No registro de importação feito pela empresa, constava que as mercadorias consistiam em gabinetes de computador, o que não era verdade.
O MPF narra que a vistoria somente ocorreu em 23/2/2010, dez dias após o registro das DTAs e quase dois meses depois do desembarque. Na ocasião, os produtos foram liberados porque a vistoria se deu na carga clone, já que a carga importada havia sido trocada em 13/2. O chefe do réu também informou não haver qualquer irregularidade, uma vez que o conteúdo da carga correspondia ao declarado na documentação de importação, isto é, gabinetes de computador.
Os delitos dos envolvidos também foram apurados na esfera criminal. No interrogatório da ação penal, o proprietário da empresa e chefe da organização criminosa afirmou que o ex-auditor foi responsável por planejar a operação de importação das 18 toneladas de carga. Disse também que, devido à estrutura e aos riscos existentes, o pagamento de propina para os servidores deveria ser em dobro. Além disso, das 41 DTAs liberadas pelo ex-auditor em 2010, 24 foram transportadas por seu irmão, o qual também integrava o esquema.
Nos relatórios da investigação há filmagens dos encontros e interceptação das conversas entre os integrantes da organização e o ex-auditor, que em 2015 foi condenado a 15 anos e 6 meses de reclusão na ação penal por descaminho, corrupção e quadrilha. Na esfera administrativa, o réu respondeu a um Processo Administrativo Disciplinar e foi demitido.
Em sua defesa no interrogatório da ação de improbidade, o réu confirmou as conversas com o empresário, mas disse que o objetivo era esclarecer dúvidas sobre a importação e transporte de mercadorias. “De fato, soa estranho marcar diversos encontros com o chefe da organização criminosa apenas para explicar algo tão simples a alguém que é proprietário de uma empresa que frequentemente realiza importações e, consequentemente, está familiarizada com procedimentos aduaneiros”, ressalta o juiz Etiene Martins.
O magistrado pontua que tais encontros ocorreram exatamente quando a organização importava diversos produtos, o réu adquiria imóveis e veículo de luxo, e a organização realizava transferências de valores em nome do ex-auditor para a compra de tais imóveis. “Neste contexto, tudo leva a crer que os transportes pelo irmão do réu dos produtos objeto das DTAs liberadas pelo réu não se tratavam de mera coincidência, mas de parte do esquema orquestrado”, diz o juiz.
Os imóveis adquiridos pelo réu somavam mais de R$ 400 mil à época. Parte do valor, cerca de R$ 184 mil, foi pago por meio de transferências bancárias intermediadas por uma imobiliária responsável pela contabilidade da organização criminosa. Em sua defesa, o réu alegou que as transferências diziam respeito à venda de US$ 100 mil ao dono da Marítimas, o qual teria pago mais por cada dólar do que o mercado em geral pagava à época. O ex-auditor afirmou que os dólares eram fruto do trabalho de seus pais no Japão.
“Tal versão não procede. Não é razoável que alguém venda dólares a uma pessoa que mal conhece para pagamento futuro sem qualquer garantia e que, coincidentemente, liderava uma organização criminosa. Do mais, não restou devidamente comprovada a origem dos dólares, já que apenas foram anexados holerites dos pais do réu referentes a alguns meses do ano de 1993 [...]. As alegações, portanto, não são corroboradas por outros elementos que não as palavras do réu, de maneira que destoam do conjunto probatório produzido nos autos”, destacou o magistrado. (JSM)
Processo nº 5001475-61.2017.403.6119