A Justiça Federal declarou a nulidade do ato da União que requisitou sete ventiladores pulmonares comprados pelo município de Santana de Parnaíba/SP para atender pacientes infectados pelo Covid-19. A requisição federal foi feita por meio de um ofício do Departamento de Logística do Ministério da Saúde para a empresa que vendeu os aparelhos à prefeitura. A tutela de urgência foi proferida ontem (29/3) pela juíza federal Marilaine Almeida Santos, da 2ª Vara Federal de Barueri/SP, durante o plantão judiciário.
No início do mês de março o município de Santana do Parnaíba, autor da ação, adquiriu os equipamentos emergencialmente para montar uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com capacidade para até 48 leitos, a fim de atender pessoas infectadas pelo Coronavírus. A prefeitura alega que, além dos sete ventiladores mecânicos que comprou, necessita ainda de outros 30. Sustenta que, a despeito disso, a União emitiu um ofício assinado pelo diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde que foi encaminhado à empresa, impedindo-a de entregar os aparelhos já comercializados e requisitando os ventiladores pulmonares para o enfrentamento do Coronavírus em âmbito nacional.
O município relata que, ao entrar em contato com outras duas empresas de equipamentos hospitalares, também não pode adquirir tais aparelhos, pois o Departamento de Logística do Ministério da Saúde havia requisitado os bens por meio de outro ofício. Para o autor, a centralização da aquisição dos ventiladores pulmonares pela União, sem norma que regule como se dará a distribuição dos equipamentos para os demais entes da Federação, deixa a população de Santana de Parnaíba em absoluto abandono, sem chance de recuperação para os pacientes em estágios mais graves.
Ao analisar o pedido de tutela de urgência, Marilaine Santos considerou estarem presentes a probabilidade do direito alegado (fumus boni juris) e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo (periculum in mora). Para a juíza, o ato administrativo de requisição e proibição de venda dos equipamentos não é válido, pois padece de vícios quanto aos requisitos de competência, forma e motivo. Em relação à competência, a magistrada pontuou que o Departamento de Logística do Ministério da Saúde não tem o poder de requisitar bens, o que seria de responsabilidade do ministro da Saúde.
“Até o momento, não há notícia de delegação do poder requisitório do ministro da Saúde ao diretor do Departamento de Logística em Saúde, o que deve ser efetivado mediante publicação no Diário Oficial da União. Cabe destacar a irrenunciabilidade da competência, salvo em caso de delegação, ato que deve ser oficialmente publicado, conforme exige a Lei de Processo Administrativo Federal – Lei 9.784/1999”, aponta a decisão.
Quanto à forma da ordem de requisição, Marilaine Santos afirmou que esta deveria ter sido emitida através de ato administrativo do ministro da Saúde (aviso ou ato equivalente publicado na imprensa oficial), e não mediante ofícios do diretor do Departamento de Logística em Saúde, tendo em vista os ofícios serem documentos meramente destinados à comunicação, não válidos para interferir no direito de propriedade. Sobre o vício de motivação do ato, a decisão indica que os ofícios fazem referência genérica à “necessidade de enfrentamento da situação de emergência em saúde pública de interesse nacional decorrente do Coronavírus (Covid-19)”, o que consiste na finalidade do ato – embora não mencione critérios de distribuição e a destinação dos aparelhos.
“Do ato não constou expressa motivação, assim entendida a razão fática pela qual foi adotada a medida extrema de obstar a venda e requisitar todos os ventiladores pulmonares disponíveis e os que serão produzidos nos próximos 180 dias. Nesse tópico, o Supremo Tribunal Federal tem precedente no qual declarou a nulidade de requisição de bens sem indicação de motivo”, destacou a juíza.
Por fim, Marilaine Santos determinou a notificação da empresa responsável por vender os aparelhos, com urgência, para que proceda a entrega imediata dos sete ventiladores pulmonares adquiridos pelo município de Santana de Parnaíba. Caso a empresa já tenha fornecido os ventiladores do seu estoque à União, o governo deverá, no prazo de cinco dias, entregá-los à prefeitura, sob pena de multa diária no valor de R$ 50 mil reais, sem prejuízo da responsabilidade pessoal, civil, administrativa e criminal, em caso de descumprimento. Também foi determinada a citação da União para oferecer contestação no prazo legal. Cabe recurso. (JSM)
Processo nº 5001573-63.2020.403.6144 – íntegra da decisão