O Sindicado dos Comerciários de São Paulo obteve ontem (5/5), na 5ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP, liminar que lhe dá o direito de adquirir, distribuir e aplicar vacinas destinadas à imunização contra a Covid-19 em seus substituídos (associados) e familiares. A decisão é do juiz federal Paulo Alberto Sarno.
De acordo com a liminar, o procedimento poderá ser feito pelo Sindicato desde que as vacinas tenham autorização temporária para uso emergencial ou autorização excepcional e temporária para importação e distribuição ou registro sanitário concedidos pela Anvisa para uso no Brasil, independentemente da observância da ordem prioritária e observadas as disposições da Lei nº 14.125/2021, além de normas regulamentadoras, afastando-se, no entanto, a obrigatoriedade de doação de parcela ao SUS.
No pedido, o Sindicato argumentou que atua em prol de seus substituídos, que exercem atividades essenciais, dentre as quais o comércio de bens e serviços, incluindo alimentos, bebidas, produtos de limpeza, higiene e construção civil. Disse, ainda, que os comerciários atuam no atendimento direto das necessidades da população, sem os quais há risco de desabastecimento de gêneros alimentícios, medicamentos, entre outros. E que, no exercício de suas atividades, estão expostos e propensos à contaminação pelo coronavírus já que trabalham em contato direto com o público.
Acrescentou que o artigo 199 da Constituição Federal garante à iniciativa privada a assistência à saúde, em atuação conjunta com o Poder Público, de modo que não se justificam as restrições impostas para aquisição da vacina. Além disso, afirmou haver urgência no tratamento contra a doença, seja em razão da alta letalidade, seja pela ineficácia no cuidado dos infectados em razão da morosidade da vacinação, discordância quanto aos tratamentos, ausência de leitos de UTI, falta de respiradores e kit intubação.
Em sua decisão, o juiz federal Paulo Alberto Sarno apontou a Lei nº 14.125/2021, que admite, sob determinadas condições, a aquisição direta do imunizante pelas pessoas jurídicas de direito privado. “Verifica-se que a pretensão do autor para aquisição direta do imunizante possui respaldo legal, haja vista ter sido autorizada a compra direta pelo setor privado, conquanto observadas as condições legalmente impostas”.
O magistrado entende ser inconstitucional o trecho da Lei que restringe a aquisição do imunizante (somente poderá ocorrer desde que seja integralmente doada ao Sistema Único de Saúde - SUS, a fim de serem utilizadas no Programa Nacional de Imunização). “A própria Constituição determina ao Poder Público, no artigo 197, a regulamentação, fiscalização e controle, devendo a execução ser realizada diretamente ou por meio de terceiros, e também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. E, finalmente, o artigo 199, caput, prevê, expressamente, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.
Paulo Alberto Sarno afirma que a pretensão do autor encontra resguardo constitucional, não apenas em face da outorga de poderes à iniciativa privada para atuação conjunta com o Poder Público, mas, especialmente, em razão da estreita sintonia da preservação da saúde com o direito à vida e dignidade da pessoa humana, conjunto que se revela como verdadeiro princípio norteador das condutas administrativas e do corpo social.
“A condição imposta pela legislação, no sentido de conferir à iniciativa privada a imunização direta somente após a vacinação de todo o grupo prioritário constante do Plano Nacional de Imunização, não se revela razoável, pois cria embaraço ao progresso efetivo do programa de vacinação [...]. Em outro plano, é muito importante observar que a concessão de oportunidade para aquisição de vacinas diretamente pelo setor privado não importa arrefecimento indevido do programa de vacinação gratuito ou desprestígio no que concerne à ordem estabelecida para a consecução do plano nacional, visto que a atuação da iniciativa privada, sem prejuízo daquela implementada pelo Estado, propiciará o incremento do programa para prevenção da doença”, ressalta o juiz.
Por fim, Paulo Alberto Sarno afirma que a vacinação de todos tem como pressuposto, também, a atuação do particular, que muito pode colaborar para o combate ao coronavírus, ampliando consideravelmente o espectro da imunização. “Parece inexistir dúvida acerca da possibilidade de o setor privado propiciar processos de vacinação, com aquisição, distribuição e aplicação de imunizantes, sujeitando-se, é certo, ao controle estatal, a quem compete a coordenação e apoio técnico, em âmbito nacional e regional. (RAN)
Ação Civil Pública no 5008467-56.2021.4.03.6100 – íntegra da decisão