A 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP rejeitou, no dia 26/4, a denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) para condenar A.S.M., comandante do DOI/CODI, e C.S.S., pela tortura e morte, no ano de 1975, de Elson Costa, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A decisão é da juíza federal Andreia Costa Moruzzi.
Segundo a magistrada, não cabe ao Juízo de primeira instância revisar o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), recebendo denúncia por fatos ocorridos há 46 anos e declarados anistiados por lei válida e constitucional. “A instância máxima do Judiciário brasileiro reforçou o entendimento de que a Lei de Anistia foi recepcionada pelo ordenamento constitucional e encontra-se plena em eficácia e validade”, afirma a decisão.
Andreia Moruzzi ressalta que o plenário do STF concluiu, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 153, que os efeitos da anistia concedida pela Lei 6.683/79 não foram afastados pela Constituição Federal de 1988, alcançando, portanto, os atos de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, realizados por agentes civis e militares da repressão no período compreendido entre 2/9/1961 e 15/8/1979.
“Como é sabido e consabido, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal possui eficácia e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (art. 10, § 3º, Lei n. 9.882/99), no que evidentemente se enquadram o Poder Judiciário, o Ministério Público e os demais atores do sistema de Justiça no Brasil [...]. O próprio órgão ministerial reconhece tal circunstância para, então, buscar uma forma de contorná-la”, afirma a juíza.
O MPF argumentou, em seu pedido, que não teria ocorrido anistia, nem tampouco prescrição dos alegados crimes, por três motivos: 1) eles teriam sido praticados em contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira por meio da violência; 2) constituíram em graves violações aos direitos humanos, os quais excluem a validade de interpretações que assegurem a impunidade de tais violações; 3) foram crimes de lesa-humanidade ou a eles conexos (no caso de prevaricação), motivo pelo qual não estariam protegidos por regras domésticas de anistia e prescrição.
“Não se pode dizer que a repressão a opositores do regime de exceção, por mais dura que tenha sido, tenha se estendido à grande massa da população brasileira. O argumento peca pelo caráter hiperbólico e não é suficiente para os fins pretendidos. Igualmente não procede o argumento ministerial sobre a influência do direito internacional na ordem jurídica interna, com vistas a caracterizar os fatos narrados na denúncia como crimes de lesa-humanidade e, por isso, imprescritíveis ou insuscetíveis de anistia”, afirma Andreia Moruzzi. Além disso, “descabe cogitar a aplicação retroativa das disposições e diretivas de direito internacional que pretendam invalidar, direta ou indiretamente, a aplicação da Lei 6.683/79. Defender tal entendimento contraria, sim, o dispositivo de decisão do Supremo Tribunal Federal”.
A juíza finaliza dizendo ser louvável o empenho do órgão ministerial nas suas ponderações, mas conclui que não há amparo legal ao prosseguimento da ação penal. “A anistia é uma das formas de extinção da punibilidade que se caracteriza pelo esquecimento jurídico do ilícito, concedida pelo Congresso Nacional, por meio de lei, não suscetível de revogação, e que possui como decorrência a extinção de todos os efeitos penais dos fatos, remanescendo apenas eventuais obrigações de natureza cível”.
Conforme consta na denúncia, Elson Costa militava no PCB e, em decorrência de sua relevante atuação no partido, passou a ser monitorado pelos agentes da repressão. Foi visto pela última vez em 15/1/1975, quando foi abordado e preso por cerca de cinco agentes a mando do denunciado A.S.M. Acabou levado ao centro clandestino do DOI-CODI, em Itapevi/SP, onde foi torturado e morto. (RAN)
Ação Penal no 5002674-87.2021.4.03.6181 – íntegra da decisão