A juiz federal Alexandre Alberto Berno, da 2a Vara Criminal Federal de Ribeirão Preto/SP, determinou, no dia 26/7, que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a União Federal instalem uma rede de captação e distribuição de água (diretamente por eles ou por meio de convênio firmado) nos poços artesianos existentes no assentamento Horto Guarani, município de Guatapará/SP.
Além disso, os réus deverão garantir recursos orçamentários suficientes para essa finalidade, inclusive quanto às possíveis necessidades de vistoria técnica por corpo de engenharia próprio ou terceirizado e limpeza e/ou perfuração de novos poços artesianos.
Na ação, o Ministério Público Federal (MPF) argumentou que, mesmo após celebrado convênio e aprovadas as medidas técnicas pertinentes para o início das obras, o INCRA suspendeu a execução em virtude de rearranjos orçamentários. Já a prefeitura de Guatapará alegou desinteresse em um possível convênio ante sua impossibilidade de arcar com o custo estimado de R$ 70 mil para ajustes e equações solicitadas pelo INCRA.
Em sua decisão, Alexandre Berno afirma ser incontroversa a responsabilidade do INCRA e da União em realizar as obras de infraestrutura mínimas em assentamentos da reforma agrária, em especial aquelas que se relacionam às necessidades básicas para a sobrevivência humana, dentre as quais, a rede de abastecimento de água dos trabalhadores rurais.
“Está comprovado que, mesmo após celebrado convênio e aprovadas medidas técnicas necessárias para o início das obras, houve comunicação unilateral pelo INCRA de suspensão da execução em virtude de rearranjos orçamentários, os quais persistem anos a fio, mesmo após novas recomendações do MPF para que os réus priorizassem o cumprimento deste ajuste público e procedessem à sua inserção no bojo do plano de trabalho da Superintendência Regional de São Paulo”, ressalta o juiz.
Segundo os autos, desde 2015, os réus se utilizam do argumento de falta de recursos orçamentários para protelarem o cumprimento de obrigações constitucionais e legais, chegando ao ponto de invocarem o “princípio da reserva do possível” e a impossibilidade de ingerência do Poder Judiciário na administração pública. “Tais argumentos, todavia, não convencem”, diz Alexandre Berno.
De acordo com o magistrado, os réus não podem deixar de cumprir suas obrigações legais com o argumento de falta de recursos, uma vez que já decorreu prazo mais do que razoável para elaboração de previsão orçamentária ao longo dos anos, principalmente, quando se verifica que os valores indicados na inicial giravam em torno de R$ 250 mil.
“Vale apontar que os recursos buscados são ínfimos perto de outras demandas de menor relevo e expressão social, como as privilegiadas atualmente pela administração, de atribuição a fundo partidário para as eleições de 2022 no importe de mais de R$ 5 bilhões, demonstrando completa desproporcionalidade e absoluto abuso do direito discricionário da administração pública”, destaca.
Alexandre Berno também faz referência ao princípio da precaução em direito ambiental. “O mesmo princípio deve ser aplicado no caso, que trata de tema sensível aos direitos humanos de pequeno grupo de assentados, ou seja, o direito à água potável. Postergar terá os mesmos efeitos de impedir o prosseguimento da reforma agrária e da dignidade prometida com a desapropriação da terra já realizada pelos réus”.
Na opinião do juiz, o tempo da omissão terminou, pois já decorreram mais de dez anos da tramitação do inquérito civil sem que nenhuma providência tenha sido adotada. “Ao contrário, continuam se batendo com os argumentos de ilegitimidade e falta de previsão orçamentária, os quais não mais se justificam, dado que os danos sociais e ambientais se acumulam. Vale apontar que as obras de mobilização de recursos não dependem da participação do Poder Público municipal, por meio de convênio, uma vez que já se dispôs anteriormente e viu a expectativa frustrada pela notícia dada pelos réus sobre a falta de recursos orçamentários”.
Por fim, Alexandre Berno fixou prazo de 1 ano para o cumprimento da obrigação de fazer, após o trânsito em julgado, com previsão de multa de R$ 1 mil por dia de atraso, sem prejuízo da responsabilização dos gestores no âmbito civil, criminal, administrativo e sob a lei de improbidade. (RAN)
Ação Civil Pública no 5007743-17.2019.4.03.6102 – íntegra da decisão